Racistas,
machistas, misóginos, homofóbicos, pedófilos... Qualquer um desses
conceitos já seria o suficiente para que uma pessoa passasse a
figurar na lista de desafetos de muita gente. Mas há um pequeno
porém: essa mesma pessoa possui uma obra inquestionável em sua área
de atuação. E agora?
David
Bowie influenciou grandes astros da música internacional, tem uma
vasta obra com elementos que fez a crítica enxergá-lo como o
precursor de um rock glamourizado, além de sua inclinação ao apoio
à comunidade LGBT durante a década de 70. Porém, tentou ganhar
fama em cima de uma suposta bissexualidade com o intuito de ser
admirado pelo espírito transgressor. Contraditoriamente, confessou
simpatia por Hitler e pelo fascismo e foi fotografado em uma ocasião
fazendo a saudação nazista.
Fernando
Pessoa dispensa apresentações quanto à sua relevância na
literatura. Porém, recentemente, veio à tona diversas declarações
racistas e de apoio à escravidão, além de discursos de depreciação
às mulheres.
Tim Maia
era machista e homofóbico, assim como Che Guevara. Maurício de
Souza, Nelson Rodrigues, Woody Allen, Charles Chaplin... todos
figuras incontestáveis, porém enquanto seres humanos palpáveis...
Será que
é válido desconsiderar a obra de um determinado artista em
detrimento de sua vida pessoal? É preciso enxergar que, em muitos
aspectos, estiveram à frente do seu tempo, porém, em outros, foram
apenas mais um entre todos aqueles que viviam a sociedade na época.
Nada justifica os erros, porém e seus méritos? Somos condicionados
a exaltar os defeitos e ignorar as qualidades, um ponto fora da curva
é o suficiente para levar alguém do céu ao inferno em questão de
instantes, mas será que esse é o modo correto de se avaliar sua
real importância para o que foram considerados precursores?
![]() |
Fonte: duda-videostore.blogspot.com |
É como
se tivéssemos um diamante coberto de poeira. Seu brilho é ofuscado,
mas o seu valor não se altera. Isso significa que estou defendendo
indivíduos que cometeram ações negativas ou grupos privilegiados e
opressores da nossa sociedade? Óbvio que não. Mas é necessário
saber diferenciar a obra do artista. Sabemos que muito do que se
escreve, do que se faz enquanto expressão artística, é fruto da
própria vivência pessoal. Porém não é, especificamente, a vida
pessoal. Peguemos o caso específico de Chaplin. Toda a genialidade
de um artista à frente do seu tempo que foi capaz de, durante um
período delicado de conflito mundial, criticar abertamente o regime
ditatorial adotado na Alemanha nazista e na Itália fascista. Mas ele
foi um machista pedófilo. Chaplin produziu o fantástico “Tempos
Modernos”, em plena ascensão de um feroz capitalismo industrial
explorando toda a massa proletariada sendo, posteriormente,
praticamente escorraçado dos Estados Unidos acusado de práticas
comunistas. Mas, foda-se, ele foi um machista pedófilo. Até hoje, o
cinema-mudo é admirado e invejado pela sua singularidade em
transmitir, através da linguagem corporal, sentimentos, ideias,
sentidos... Mas eu já disse que ele foi um machista pedófilo?
Maurício
de Souza e seus quadrinhos fizeram parte da infância de várias
gerações no Brasil. Diversos valores sobre família, amizade,
companheirismo, cuidado com o meio ambiente, dentre tantas outras
questões. Mas, além de Jeremias, personagem quase que figurativo
com seu bonezinho vermelho, alguém consegue lembrar de outro menino
ou menina negra? Apesar de não ser negro, Cascão é o que mais se
aproxima disso por ser o único de cabelo crespo. E adivinhem quem na
história é o personagem sujo e sempre submisso às ideias
mirabolantes de seu amigo? Aliás, sua namorada, Maria Cascuda, em
algumas histórias também aparece como quem não toma banho. Nem
preciso dizer sobre a textura do cabelo dela, não é? Mais uma dica:
pesquisem sobre o personagem Nico Demo, o “politicamente incorreto”
dos quadrinhos de Maurício de Souza.
Uma
mancha enorme em seus currículos, é verdade, mas não deixaram de
serem gênios no que se propuseram a fazer para o seu grande público.
Seres perfeitos não existem, até gênios têm suas ressalvas em sua
vida pregressa. O legado que deixaram é incontestável... ou será
preciso rever a importância que tiveram na história?
Nenhum comentário:
Postar um comentário